Dr. SILVINO BEZERRA NETO
Ele entrou para a história em 1968. Nesse longínquo 15 de novembro, uma sexta-feira, o 'Bigodão' ganhou do ‘Cachimbão’, desfazendo assim, uma hegemonia de décadas do poderio econômico ‘NÓBREGA & DANTAS. Em jogo estava a continuidade do governo do MPB apoiado pelo conglomerado retromencionado. Mas para entender o contexto é preciso voltar ao histórico ano de 1964. Em 9 de abril daquele ano, o general de Exército Artur Costa e Silva, o tenente brigadeiro Francisco Correia de Mello e o vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald publicaram o Ato Institucional nº 1. “No interesse da paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, os Comandantes-em-Chefe, que editam o presente Ato, poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de dez (10) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos”, dizia o Artigo 10º do AI-1.
Peço licença aos visitantes desse blog para homenagear hoje o Dr. Silvino Bezerra Filho – Bigodão -, político eleito duas vezes prefeito da nossa terrinha; publicando três histórias que escrevi sobre ele. Os textos foram cartas que enviei ao jornalista Woden Madruga, e que ele gentilmente publicou em sua coluna no jornal Tribuna do Norte. Quero a compreensão dos visitantes para esse fato, pois a minha admiração por esse homem é muito grande, visto que meu pai sempre foi seu adversário político, porém sempre gozou da amizade e respeito vindos do Bigodão, inclusive sendo compadres. Nunca me utilizei desse espaço para fazer política, defendendo esse ou aquele partido. Afinal, eu apenas administro esse lugar que na verdade pertence a todos os acarienses. É nosso! Entretanto, Dr.Bezerra (como também era chamado) é de uma época que os homens de Acari divergiam, mas não se odiavam. Eis mais uma do Bigodão: "Um homem fica marcado na história muitas vezes por sua estupidez, outro por sua educação, outro por sua ignorância, outro pelo jeito de vestir-se, outro por haver descoberto algo, outro pela forma como reinou, outro por aquilo que falou ou escreveu, e por aí se vai. Palavras, atos e até omissões têm levado o nome de alguns homens para o patamar dos inesquecíveis, quer do bem ou do mal. Aqui nesse torrãozinho abençoado por Deus tivemos vários inolvidáveis! Gente que se fez lembrar pelos mais variados aspectos: intelectuais, doutores, poetas, docentes, juízes, atletas, políticos, vaqueiros, parteiras, etc... Numa comunidade tão pequena quanto a nossa, aqui na terrinha de outrora e até de hoje, é natural que para cada função na sociedade haja apenas um elemento, salvo aquelas em que cada subgrupo precisa de um que possua certa qualidade. Percebo quando leio, ou ouço falar das qualidades de algum deles, que assim como a árvore finca nesse solo amado as suas raízes; muitos desses homens memoráveis são frutos dessa cultura de costumes honestos que o nordestino desenvolveu pelos anos, e que têm suas raízes mais profundas arraigadas também nesse sertão seridoense. Cresci aprendendo a chamar o mais velho de senhor; a mulher casada, fosse qual fosse a sua idade, de senhora; tomando a bênção aos meus familiares que a mereciam, aos padrinhos e ao padre da freguesia. Papai ensinou-me a respeitar o mais velho, o bêbado e aquele que perdeu as boas faculdades mentais. Procedimentos tão básicos na lei da educação quanto o pedir licença, por favor e dizer obrigado, mas que para muitos caíram do hábito e não se usa mais. Tantos são os costumes esquecidos, objetos da nossa cultura de nordestino, coisas simples como o é nosso povo. Depois da televisão houve uma inversão de valores em nosso meio e a rapaziada de hoje já não quer se comportar, se trajar, falar e se parecer com gente normal. Até acham isso bonito, e diferente é quem não pertence às tribos atuais. Mas voltando aos costumes de antigamente, quero evidenciar um que nunca ouvi falar de outra pessoa que o tenha possuído afora o Dr. Silvino Bezerra Filho – o Bigodão. Ele um homem educado e da melhor estirpe seridoense; um caráter essencialmente lotado de bondade, humano no mais profundo do âmago, sobrando em caridade, superabundando em solidariedade. Como político representou para a sua facção o desbravador, a torre forte, o norte, o executor de idéias, o íntegro e fiel em seus acordos, o pioneiro da coragem e da ponderação no trato com o adversário mais necessitado. Tinha também os seus defeitos pessoais. É bem verdade! Mas as suas virtudes sobejavam em muito, tais fraquezas. E foi sobre o homem Bigodão que ouvi falar da boca de uma senhora, nesses dias da padroeira de Acari, a seguinte história: Bigodão morava na casa da Rua Dr. José Augusto, ali bem perto da praça do coreto, pelo lado do ‘triângulo’, e estava sentado na área de sua casa num finalzinho de tarde quando a viu passando. Ela vinha da maternidade, onde uma filha pela manhã dera à luz a um menino, tornando-se assim mãe solteira. Bigodão sabedor de tal fato; e que ambas passavam certo embaraço financeiro, pois haviam sido abandonadas pelo mantenedor da casa; chamou-lhe para que viesse onde ele estava. Chegando-se ao pé do gradil da casa, essa senhora recebeu dele o convite para que adentrasse a área e esperasse por ele. Isso feito, ingressou Bigodão em casa de onde saiu com dois quilos de carne numa sacola, presente para ela. A princípio ela muito relutou em aceitar, adversária que era politicamente, envergonhou-se do fino trato a que estava sendo submetida. Porém, veio à insistência que se tornou mais acentuada em veemência com a legítima alegação que ambas precisavam. Presente recebido por mãos trêmulas e olhos marejados, gratidão nascendo no coração para ser eterna; já ia saindo depois de agradecer, quando ouviu em forma de ordem: “Já comuniquei ao compadre Gordo que durante quarenta e cinco dias você vai tirar os dois quilos de carne, toda semana, lá na banca dele.” E assim foi durante o resguardo, que antigamente tinha-se por costume o de ser longo. Era o ano de 1984. Hoje conversei com Félix, filho de Bigodão, e contei-lhe a história. Ouvi de sua boca que era costume do seu pai fomentar de carne o resguardo das mais carentes. Já minha mãe, professora nas Pinturas no ano ‘de não sei de quando’, que morou em casa de Bigodão para exercer tal ofício; me contou das inúmeras vezes em que D. Iva diz ter enxergado os queijos e as carnes da casa saindo pelas mãos do marido, para atender ao pedido e saciar a fome de alguém que por ali fosse passando. Questionava-me, por vezes, ao ouvir histórias como essa, de onde teria vindo a gene da bondade dele, descobri em “Outras cartas do Sertão do Seridó” que é herança de sua mãe, D. Maria, por certo. Não sei bem a origem da admiração que nutro por esse homem. Talvez venha do fato de meu avô paterno, escorando-se num pé de algaroba para ver uma passeata do Bigodão passar, tenha pronunciado “Oh, que coisa linda!” e caído morto em seguida, vítima de um enfarto fulminante e da emoção de ver aquele marzão de gente cantando “... porquê Dr. Bezerra tem um bom coração, ele será eleito no dia da eleição...”.
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