Dr. ANTÔNIO OTHON FILHO

 

 Dr. Niton, homem muito trabalhador e muito honesto. O fiscal da cidade era Firmino Rodrigues, rapaz muito bom, muito amigo e muito calmo. Dr. Niton chamou-o e disse: - “Firmino, eu acho você um rapaz muito bom, mas acho-o meio mole para trabalhar comigo. Eu vou ser meio forte: se você vê que não dá conta do recado, peça logo demissão”. Firmino disse: -  “Não, Dr., eu topo tudo”. Dr. Niton disse: - “Então, está muito bem, vou testar você”. Baixou logo um decreto retirando todos os tratos de animais do perímetro urbano da cidade e mandou Firmino levar uma cópia a cada tratador, dando só 8 dias de prazo para que retirassem os seus tratos de animais para os subúrbios. Firmino achou pouco o prazo, Dr Niton disse: - “Eu não disse que você era fraco! Na próxima feira eu não quero ver mais nem um curral desses dentro do perímetro urbano”. Realmente, além de uma imoralidade era um absurdo os famosos tratos de animais. Eram currais onde determinadas pessoas se encarregavam de tratar dos animais dos feirantes e o movimento de animais nos dias de feira era muito grande, tendo em vista que na época quase toda mercadoria que se vendia na feira era transportada em costas de burros. Existiam, ainda, as famosas tropas de burros, que transportavam mercadorias: do brejo da Paraíba, do agreste do Rio Grande do Norte, da Serra do Coité, da Serra de Santa e das zonas rurais do município. Os burros eram também o transporte natural das pessoas que vinham das zonas rurais para a feira. Além do animal de montaria, normalmente o feirante trazia o burro de carga para levar a feira. Por aí se tem uma ideia de que tamanho era o movimento de animais nos currais de tratos, que haviam sido construídos no perímetro suburbano da cidade, mas com o crescimento natural da cidade já estavam totalmente dentro do perímetro urbano a exigir de fato uma providência. A administração de Currais Novos, desde os primórdios sempre cuidou da limpeza do perímetro urbano da cidade não permitindo que se fizessem currais e trato de animais no pequeno espaço urbano que existia. O pioneiro de tratos de animais foi Gregório Nasioseno, que queria fazer o curral na primitiva casa onde morava, mas foi impedido pelo então administrador da Vila. Teve que desmanchar a casa e construir do outro lado do rio, na beira da estrada, onde fez o curral, tratava de animais e dava arrancho a matutos. Com Manoel Pires, o segundo tratador de animais aconteceu a mesma coisa: ele morava na casa que ainda hoje existe na banda do final da Laurentino Bezerra com a Tomaz Silveira e também não pode construir ali o curral para tratar de animais. Foi obrigado a vender a casa a Major Sérvulo e construir a casa e os currais onde hoje é o final da Rua Dix-Sept Rosado. Vamos voltar à luta de Dr. Niton para retirar os currais de trato de animais, do perímetro urbano da cidade. De início ele pensou não ser tão difícil, eram apenas quatro currais mais importantes e mais centrais: o de Luiz Basílio, no começo da Rua Laurentino Bezerra; o de Manoel Raimundo na Rua Velha onde hoje é o meio da Rua Laurentino Bezerra; o de Santino que era na Teotônio Freire e mudou para a Rua João Alfredo por traz da Lula Gomes; o de Pereirinha que era em plena Alberto Maranhão, hoje, Sílvio Bezerra, ficou encostado ao cemitério; o de Dona Martinha era nos fundos da Teotônio Freire, mas era de pequeno movimento, ele deixou ficar onde estava; o de Juvenal que era nos fundos da Joventino da Silveira, ou seja, na Lula Gomes por traz do cinema Desembargador Tomaz Salustino com o curral já nos fundos da Lula Gomes, ele também deixou ficar.  A coisa não foi tão fácil como Dr. Niton pensou a princípio, deu sérios aborrecimentos, pois não mexeu só com os donos dos tratos, mas com toda comunidade rural, que tinham nos tratos dos animais os seus pontos de apoio para o movimento da feira. A casa de rancho propriamente dita, era onde juntavam as compras da feira, para prepararem as cargas. Era o ponto de encontro dos fazendeiros onde até mesmo decisões políticas eram tomadas. Houve intervenção forte junto ao Dr. Niton para retroagir, mas ele não cedeu uma linha, embora se impopularizando, pelo contrário acrescentou mais a retirada do beco da troca, que era na Travessa José Pinheiro. O beco da troca era uma espécie de feira de animais, onde os vendedores e trocadores de animais faziam as suas transações comerciais nos fins de feira. Junto ao beco da troca funcionava também a feira da lenha e do carvão. Dr. Niton mudou tudo para a Rua Teotônio Freire, começando da parede do cemitério e subindo até onde é o INPS. Houve tratador de animais que não aceitou mudar-se e deixou o ramo, como foi o caso de Luiz Basílio. Vivaldo Pereira que gostava muito dele comprou a casa com curral e tudo só com a intenção de ajudá-lo. Esse terreno foi doado por Dr. Cortez à Associação Rural de Currais Novos quando foi fundada. Talvez nem soubesse Dr. Cortez que estaria conservando uma tradição de um local onde mais de meio século funcionou um curral de trato de animais. A Associação Rural parece que morreu logo depois de criada, nem ocupou o terreno. Passou muitos anos abandonado, depois a Prefeitura construiu uns mictórios públicos e doou parte a pessoas que construíssem casas. Junto com a mudança do beco da troca, da feira da lenha e do carvão, Dr. Niton também fez outra mudança: da famosa feira de louça de barro dos negros do riacho, ficou bem encostado ao cemitério. Os negros do riacho não fizeram muita questão. O chefe era Damião Preto, gostava mesmo de ficar junto aos trocadores de animais, porque eles pagavam cachaça para ele e os outros só pra verem as confusões dos pretos quando se embebedavam. Era a melhor coisa que se tinha em Currais Novos nos fins de feiras. Doutor Niton foi um prefeito muito forte. Passado o movimento da mudança dos currais de trato dos animais que foi a sua primeira preocupação e com muita justiça, tanto é que merece os nossos aplausos e o nosso registro para a posteridade, se bem que na época eu também não tenha gostado, porque eu era quem carregava os sacos da feira nas costas para bem mais distante do lugar de costume, só que ele estava vendo o que eu vejo hoje, trinta e tantos anos depois. Outro decreto forte de Dr. Niton, foi determinando que as pessoas que tivessem casas de aluguel ficavam obrigadas, dentro de 30 dias, construírem privadas com fossas sob pena de a Prefeitura mandar interditar a casa.  Mandou Firmino Rodrigues entregar cópias do decreto em todas as casas que verificasse que não tinham privadas com fossas. Começou o movimento e começaram a construir as fossas, mas ele mandava Firmino Rodrigues fiscalizar e ele mesmo fiscalizava Firmino. Ele andava todos os dias em todas as ruas da cidade, conversava com o povo, mostrava a necessidade de construir as fossas, fez uma verdadeira campanha sanitária na cidade, mas Dr. Nilton queria ver a eficiência de Firmino Rodrigues. Dona Sinhá, a mãe de Dr. Niton, tinha uma porção de casas de aluguel e tinha várias que não tinham fossas. Então Dr. Niton foi andar na cidade com Firmino, queria pegá-lo num deslize; passando pelas casas de Dona Sinhá que não tinham fossas, perguntou a Firmino: - “E estas casas, você já avisou aos donos, entregou a cópia do decreto?” Firmino Rodrigues disse: - “Doutor, estas casas são de Dona Sinhá!” Dr. Niton disse: - “E Dona Sinhá também não está sujeita às penalidades do decreto?” Firmino disse: - “Mas, ela é sua mãe, doutor!” Ele disse: - “Ela é a mãe de Niton, mas do Prefeito de Currais Novos. Ela tem a mesma obrigação que os outros, portanto, você devia ter avisado a ela.” Mas, ele mesmo era quem ajeitava as coisas de Dona Sinhá. Só queria ver a eficiência de Firmino Rodrigues. Mandou fazer as fossas e ficou tudo resolvido. Doutor Niton foi muito bem sucedido nos seus dois primeiros decretos, total execução, total êxito, embora tenha encontrado duras barreiras, muitas incompreensões a ponto de transformá-lo num homem impopular, quando devia ser o contrário. Levou a ideia da fossas a zona rural. O açude Totoró havia sido transferido para a administração municipal. Ele foi lá visitar o açude, aproveitou a visita para falar com os moradores, arrendatários ou proprietários, que morassem na periferia da bacia hidrográfica do açude para construírem privadas com fossas para que os detritos e dejetos não fossem levados pelas enxurradas a poluir a água do açude. É bom que se explique: não foi um decreto, mas um apelo pessoal, andando de casa em casa, orientando as pessoas, pedindo que fosse tomada àquela providência para que a água que se ia beber não fosse poluída por detritos humanos. Chegou na nossa fazenda, papai não estava em casa, eu recebi-o. Vinham com ele, seu Auzônio e Firmino. Mandei-os entrar e perguntei de que se tratava. Ele falou da ideia das fossas e deu uma longa explicação a respeito do assunto. Eu disse a ele que achava excelente a ideia, mas muito difícil dele conseguir. Ele disse: - “Por quê? Eu sou o prefeito da cidade!” Eu disse-lhe: - ”Perfeitamente, Doutor, eu sei disso!” Aí, saí para o alpendre com ele e mostrei: - “Doutor, a bacia hidrográfica do açude Totoró começa daquela cordilheira da Serra de Santana.” - apontei com o dedo, - “Todas as águas pendentes daquela cordilheira para cá vem para o açude Totoró. Se o senhor conseguir que todo esse povo faça privadas com fossas, eu lhe garanto que aqui nós não lhe daremos trabalho nenhum. Papai não está em casa, mas eu me comprometo, faremos a privada com a fossa”.  Ele não gostou muito da resposta, mas despediu-se e disse que na segunda-feira conversava com papai. Seu Auzônio virou-se para ele rindo e disse: - ”Tá vendo, Niton, você já está encontrando advogado forte do povo aqui, calcule quando você conversar com seu Thomaz Tragino...”

Na segunda-feira Dr. Niton conversou com papai, disse que tinha ido lá, mas ele não estava em casa, tinha conversado com Celestino e que eu era um menino muito inteligente, devia ser advogado, porque ele estava pensando numa ideia e eu tinha feito com que ele desvanecesse e que eu era um menino muito adulto e muito resolvido. - “Ora, avalie o senhor, ele saiu para o alpendre, me mostrou com o dedo a bacia hidrográfica do açude Totoró, como se eu não conhecesse, mas eu fui refletir e concluí que ele estava certo, eu não iria conseguir mesmo obrigar aquele povo todo fazer fossas. Então, desisti da ideia”.  Realmente, ele tinha razão, eu era mesmo um menino, mas, um menino com 16 anos, já tinha bastante noção das coisas. Doutor Niton, não é exagero dizer que foi o prefeito mais trabalhador de toda história de Currais Novos, porque enquanto ele foi prefeito, dava todo o seu tempo a serviço da prefeitura, quer interno, quer externo.  Ele andava todos os dias a cidade toda, fiscalizando, orientando e exigindo, especialmente no que dizia respeito a higiene e conservação da coisa pública. Ele mesmo fiscalizava a feira, não deixava os atacadistas comprarem nada antes das duas horas da tarde. Aquilo que competia à prefeitura tabelar, ele tabelou. Pesos e medidas ele conferia constantemente. Fez até uma bitola para ovos de galinha. Isso mesmo, para medir ovos de galinha. Era uma tábua furada, aqueles ovos que por serem menores passassem no buraco da tábua, seriam vendidos a 200 réis; aqueles que por serem maiores não passassem no buraco da tábua seriam vendidos a 300 réis. Isto na feira servia até de galhofa, mas sem ele saber. Zefinha de Chicó, que era muito viva, vendia galinha e ovos na feira. Quando a fiscalização passava, ela misturava os ovos, grandes e pequenos pra vender do mesmo preço, o preço mais caro, é claro.  A gente dizia: - “Zefinha, você misturou os ovos, pequenos e grandes!” Ela dizia: - “Não... besteira, esses aí nenhum passou no buraco do prefeito. Geralmente não tinham passado mesmo, porque ela não tinha classificado. Doutor Niton foi um homem muito inteligente, muito preparado e muito honesto, mas muito incompreendido no seu tempo. Acredito que tenha sido porque ele viveu muito adiantado no tempo. Ele via as pessoas de alto e baixo com a mesma óptica, baseado nos princípios de doutrina e direito que estudou e viveu. Não gostava de fazer arrodeios para chegar às definições que lhes eram claras, mas, às vezes, aos outros eram conturbados.  Não tinha meio termo nas suas decisões. Sim era sim, não era não... Criou uma família muito grande e viveu dificuldades, mas ninguém sabia, porque jamais comprou fiado nem tomou dinheiro emprestado a ninguém. Viveu uma vida decente e com dignidade. Escreveu um livro, Meio século da roça à cidade, uma beleza de livro, no meu entender, escreveu a história dos que não tinham história, no que foi pouco compreendido, exatamente por não gostar de arrodeios. Certa vez, eu disse a ele que o maior defeito que encontrei no seu livro, é que ele não escreveu as coisas más, com frases agradáveis e ele aceitou a crítica e me agradeceu. Estava escrevendo outro livro, que não chegou a publicar; esse seu segundo livro devia ser sobre a história de Currais Novos. Nós conversamos muito a respeito desse livro e eu lhe dei alguns subsídios. Ele estava vivendo muito só nos seus últimos dias, eu tive de ficar em sua residência algumas vezes até alta madrugada, trocando ideias com ele e conversando a respeito da história de Currais Novos. Estávamos nos descobrindo e nos aproximando. Então, eu costumo dizer que Dr. Niton morreu quando começava a viver. Administrou o município de 28 de abril de 1945 até 22 de fevereiro de 1946, portanto, não completou um ano de administração. Mas, 10 meses e 24 dias que administrou, valeu a pena para a história de Currais Novos. UMA OBSERVAÇÃO: Doutor Niton administrou só até 16 de novembro de 1945.

 CELESTINO ALVES








 



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

JOÃO NEVES DE OLIVEIRA

MÁRIO DE SOUZA ARAÚJO

JOSÉ SALLY DE ARAÚJO